A pandemia e o retorno à caverna? Uma introdução a psicanálise cabocla
Por Gilvaldo Quinzeiro
Nos meus primeiros escritos, quando eu era bem jovem (ainda
não publicados, e talvez perdidos em algum lugar da minha bagunça); escritos
estes que eu intitulei de o ‘retorno à caverna’, e, olhando para os
acontecimentos de hoje, em tempo de pandemia, mas, particularmente no que diz
respeito ao comportamento assombroso das pessoas, penso que em certo sentido,
tais escritos são atuais.
O texto abaixo é um esforço para colocar lenha entre as
trempes no interior das nossas escuras cavernas!
As emoções são
arcaicas armas disparadas pelo corpo antes mesmo do uso das primeiras
ferramentas; do uso das palavras e da razão na luta pela sobrevivência, ou
seja, em um contexto em que a comida poderia significar também matar ou morrer
pelos mesmos motivos, bastando para isso só se colocar um pé fora da caverna.
Em outras palavras, no
nosso passado remoto, uma simples busca por água poderia resultar em que
ficássemos enterrados na lama na disputa com outros animais pelo último poção
d’água; o mesmo se dava na luta por comida, onde, da condição de caçador,
poderíamos terminar na condição de presa.
Ou seja, estávamos literalmente com as vísceras expostas, e as emoções
eram o que de alguma forma nos vestiam e protegiam.
Mas, a questão dos
nossos tumultuados dias de pandemia é: por que em certo sentido estamos a
retroceder às mesmas condições, que nos lembram os terríveis tempos da cavernas,
aponto de nos sentirmos em ‘carne viva’ – prato já quase sendo abocanhado pela
boca escancarada do outro? Sim, os tempos atuais são perigosos! Uma simples
visita ao nosso perfil nas redes sociais (Facebook ou WhatsApp) – caverna onde
os nossos dedos são como varas curtas a cutucar peçonhentas serpentes para
atender cegos desejos dos nossos olhos – pode nos fazer de presa em ardilosas arapucas!
Enfim, estamos retornando às cavernas?
Uma resposta possível
seria: ou nós estamos em certo sentindo transportando para este momento (da pandemia) as arcaicas
condições de disputa e de medo vivida pelos nossos ancestrais, uma vez que a
realidade é de ordem avassaladora ou então essas armas (as emoções afloradas)
estão sendo disparadas precipitadamente, e, como não temos um alvo certo, o
resultado não poderia ser outro senão atingirmos a nós mesmos. Um fracasso
total da nossa condição humana!
Ora dizer que podemos
estar transportando as arcaicas condições de competição e de medo vivida pelos
nossos ancestrais para o nosso tempo, é dizer que o nosso mundo ficou perigoso,
de modo que nem os mais luxuosos dos templos ou a mais poderosas das preces, conseguiram,
enfim, êxito em evitar que estejamos abocanhando hoje uns aos outros!
Abocanhando o outro?
Como assim? Com o bulling, a torturar psicológica, as críticas maldosas;
a invasão de privacidade; a exposição da privacidade alheia; compartilhamento
de notícias falsas; a puxada de tapete; a violência doméstica; o feminicidio, o
parricídio, etc.
Por fim, e se antes os nossos ancestrais o máximo que
conseguiam era, quando com medo, ter mais sangue nas mãos para poder arremessar
uma pedra ou um osso em direção a outrem; hoje, em questão de segundo podemos
disparar uma pistola automática, e do nada, numa banal discussão de transito ou
numa discussão por conta da derrota ou vitória do seu time preferido; ou matar alguém,
pasme, pelo uso ou não de máscaras em tempo onde estamos sendo atacados e
derrotados vergonhosamente por um vírus!
Amém?
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