Ah, as nossas feridas! Herança do nosso passado?


Por Gilvaldo Quinzeiro


Ferir-se do nada, quando o nada é aquilo mesmo que nos sustenta é aludir ao um estado de feridas “ancestrais”, algo recebido como herança do nosso passado longínquo de caçador e de guerreiros, quando, se ferir era vestir-se da normalidade daqueles tempos. Em certo sentido, estamos atados ou costurados em puídos laços de alguma coisa, logo, isso também dialoga com a edificação das nossas dores ou com o esforço de preencher os nossos vazios.

Se existe o Inconsciente Coletivo conforme defende Jung, é aqui (ou lá) onde residem a tais feridas?

Ora, o dito acima aponta o dedo para as feridas que, mesmo sem sangrar, dilaceram hoje os nossos jovens, conquanto, estes, habitando o conforto dos seus quartos sem darem ou levarem um sequer “tiro”, ainda assim, caem abatidos? Que tipo de feridas são estas?

Até pouco tempo, se se perguntasse a um homem da roça, qual a sua identidade ou profissão, este orgulhosamente exibiria a mão encravada por calos e feridas da sua labuta diária!  Em épocas mais remotas, uma cicatriz dizia muito sobre um enigmático guerreiro. Cuidar das feridas de um guerreiro era tão valoroso quanto abater um inimigo em batalha.

Em muitas tribos os ritos de passagens são celebrados com feridas. Sem estas marcas, a tribo não aceitaria o futuro guerreiro. É melhor ferir-se assim para fazer das feridas símbolos, passagem para uma vida de amadurecimento ou simplesmente “passar a mão sobre a cabeça”, e rasgar-se facilmente por uma bala de chocolate?

Bem, a vida não é doce! No máximo, como diriam os estoicos, “é um limão a ser transformado em limonada”!

Mas, voltando a falar da ferida como uma herança, um barro a ser amassado, é quase certo que somos hoje péssimos administradores ou péssimos herdeiros das nossas feridas. Uma pílula, ao invés de aprender sobre a nossa dor, é também uma “pedra” sobre o nosso passado: quem aprende com quê ou com quem? 

O corpo se tornou uma caverna, uma moradia assombrosa e desabitada. Os piercings, que nos rasgam adentro ou as tatuagens que nos vestem a pele, ocultam ou revelam as nossas ancestrais feridas?

Automutilação, um jeito de falar o que pela palavra não mais se imprime ou jeito de calar o que em certo sentido é gritante?

As guerras? Estas velhas senhoras que se vestem do “novo” -  inspiradas em games e feitas para não nos lembrarmos das outras! ...

 Por fim, esquartejados estamos, não pelas dores que nos são tão dolorosamente eloquentes, mas por aquelas outras (dores) que insistimos em não identificá-las!

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