As pedras, o sujeito e as faltas: todos ‘trempes’ do mesmo engenho
Por Gilvaldo Quinzeiro
Neste tempo de tantas ‘faltas’, perguntar do que estamos ‘cheios’
é começar a redesenhar a face, que nos abunda, mas que paradoxalmente não se torna
visível ao espelho.
Ora, o ‘engenho’ no qual o seu produto final é o sujeito,
isto é, cada um de nós, há muito tempo se enferrujou, e ameaça a parar suas
engrenagens.
Como assim?
A resposta à pergunta acima não é simples. Para tanto
precisaria ser tão engenhosa quanto.
A velha arte de fazer monte de pedras, seja para demarcar
território, seja por motivo de adoração ao sagrado. Por trás desse gesto está a
absurda necessidade de redesenhar a ‘face faltante’ – aquela que escapa de nós
mesmos!
Tal arte, se de arte podemos assim chamar, seja lá o que for,
é o ‘umbigo’ de todos os espelhos...Ora, o ato de ver nos cria. O ato de ver é
como os dentes para a boca, ou seja, é o que nos abocanha, enquanto experiencia
mastigatória.
Sim, somos o resultado daquilo que poderia ser também o
jantar do outro. O outro que também engole a realidade como se fora comida.
Dai que ver aquilo
que não seja o próprio’ umbigo’, é se dar conta de que somos feitos também do
que nos falta. Esta, a falta, é a pedra sem a qual o edifício da existência
humana não necessitaria ser erigido.
Justamente agora que não vemos nada, senão o próprio umbigo,
é que temos como um dos sintomas mais concorrente a falta de sentir falta,
logo, este sentir ou este existir é da ordem daquilo que facilmente se desmancha.
Ora, não estamos falando da falta do ‘arroz e do feijão’,
mas da falta de sentir falta daquilo que quando presente é a ‘pedra’ do comigo
mesmo.
Pois bem, estamos diante das piores de todas as fomes.
Aquela fome cuja falta é representada pela ausência do ‘espelho’. É aqui que ‘juntar
pedra’ é não mais esculpir a coisa faltante: é a loucura esculpida!
Por falar em
loucura, pode até ser coincidência a massa dos loucos juntando toda sorte de
coisas pelas ruas, mas, nunca tivemos tanta necessidade de sermos as peças
daquilo que nos faz falta.
Por trás da loucura: todas as pedras faltam, exceto a que nunca fincamos!
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