O ABC do mundo real: reaprendendo a dar novos passos?


Por Gilvaldo Quinzeiro


Ver a corda não significa necessariamente se enforcar com ela! Há, pois, distância e significados diferentes entre um ato e o outro. Uma corda pode nos servir de braços esticados a um pedido de socorro!  Da mesma forma que mergulhar não significa se afogar. Saber e respeitar até onde o seu fôlego alcança é ter, enfim, aprendido sobre si mesmo, bem como sobre as coisas do mar!


A pedagogia do mundo real nos ensina que diante desta, isto é, da realidade, não há como não nos sentir esmagado por ela, porém, isso é pedagogicamente nos colocar em nosso devido lugar, e isso por si só já faz muita diferença entre encarar o monstro e ser devorado por este.


É neste encontro com o mundo real que saberemos quem somos de fato. Não há outra maneira de sabermos se somos de ouro ou de prata - espelho fixo para muitos, e/ou no grau mais consciente da aprendizagem, concluir que não passamos de meros artefatos de barro – ainda bem!


Em um contexto em que toda a geofísica do planeta terra está se modificando, não se pode esperar que o psiquismo humano permaneça inalterado. Ao contrário, até mesmo o gozo sofreu deslocamento, e tudo passa a ser sentido pelo lado de fora. Ouvir uma música, por exemplo, só nos faz sentido se esta for ouvida pelo bairro inteiro. Um momento de intimidade entre duas pessoas ( ou mais!) num motel se faz acompanhar da necessidade de ser compartilhado pelas redes sociais, onde as fotos íntimas precisam ser curtidas como sinal de aprovação de que “sim, estivemos juntos”!


 Hoje estamos carentes de   palavras para dar nomes às nossas coisas. De modo que há coisas sem que estas  tenham nomes, inclusive para os nossos sentimentos! Há uma geração muda em seus quartos povoados de parafernálias, e que não consegue dizer uma só palavra, mas se automutila eloquentemente – talvez como um gesto de se conectar à realidade; não  a realidade que circunda a sua vizinhança, e sim a do seu próprio corpo!


Se prestarmos bem atenção, nos certificaremos de que cada vez mais o número de crianças que chegam à escola como se fossem “bonecos” desmontados, isto é, lhes faltando braços, mãos e pernas, é crescente. E por que isso? Exatamente porque lhes faltaram a inserção no mundo real, particularmente no que diz respeito ao próprio corpo – este é o preço a ser pago por uma geração de crianças criadas pelas telas dos aparelhos de celular, sem qualquer contato com o mundo real. Mas este é o preço a ser pago também pelos professores, que não sabem como agir em condições como estas!


Os autistas, penso, são crianças com grau elevado de sensibilidade e potencialidade, porém, não sabem em que mundo estão? E não sabem em que mundo estão porque é possível que seus pais também estejam perdidos?


O envelhecimento hoje é um fato que podemos comparar com o mesmo fenômeno que ocorre com as pessoas autistas? Eis uma questão levantada. E seja lá quais forem as respostas, estas precisam partir da premissa de que perdemos a conexão com o mundo real!


Em outras palavras, envelhecer, por exemplo, é hoje uma das questões que a sociedade atual não se preparou porque se fixou na falsa crença da eterna juventude. O velho é uma espécie de  “lixo” colocado debaixo do tapete ou dos chinelos da própria família!


Todavia, envelhecer é   o ato real e pedagógico pelo qual devemos saber quem somos diante do percurso em que tivemos inúmeras faces. Incluindo algumas faces que nunca aceitamos. Envelhecer, é pois, o momento de   reaprender por exemplo, como usar as mãos; as mãos que muitas vezes nunca tivemos consciência plena para que servem. O dito aqui vale também para  a boca; a boca, que é o nosso primeiro contato com a realidade: abocanhar o mundo significa se identificar ou sofrer repulsa por este.

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