O sagrado, o humano e o barro civilizatório



Por Gilvaldo Quinzeiro



Se os ‘pilares civilizatórios’ não estão ruindo, incluindo os de cunhos ideológicos e religiosos, eu acredito que sim, a respeito disso eu venho tratando em diversos textos, vídeos e palestras, mas certamente não há nada em pé, que não esteja lutando desesperadamente pela própria sobrevivência – é que as engrenagens dos engenhos do tempo são de fato implicáveis – foram assim com todas instituições humanas, seja as egípcias, seja as romanas. As nossas, então, forjadas num contexto de tanta volatilidade, o que delas de fato ainda existem?

O dito acima soa contraditório, pois, o que assistimos é exatamente o acirramento da luta no campo ideológico, uma espécie de ressurgimento de uma nova guerra fria... De fato, isso é verdadeiro. Todavia, o contexto, ‘o barro’ do qual é feito este acirramento carece uma análise mais apurada, pois as águas, que umedece este ‘barro’ não são mais as mesmas. O que nos coloca de volta à velha peleja entre Heráclito e Parmênides acerca do ser e do vir a ser. Ou seja, trata-se de uma pedra fundamental no que tange a compreensão da porosidade, que constitui a massa da nossa realidade, o que não é tarefa simples, pois, em tempo de tanta pressa, como o nosso, corremos riscos de nos apetecer com as primeiras conclusões, assim como costumamos a fazer com o cheiro da comida... A “coisa é bem mais embaixo”, digamos assim.  Há muito ‘feijão’ duro e estragado a ser cozido ainda em altas temperaturas...

Por falar em “barro”, o antropomórfico, aquele que nós acrescentamos de nós mesmos as coisas; aos nossos ídolos e heróis; as nossas bandeiras e as nossas crenças, começam a sofrer avaria, a se desintegrar das velhas ‘faces’, e por isso também já não mais nos reconhecemos: há, pois, também uma crise de identidade!

Nesta crise de identidade há necessariamente um retorno, como nos diria Sigmund Freud, as fases anteriores do nosso desenvolvimento. Por isso como costumo dizer, também parafraseando Freud, perdemos o controle dos esfíncteres. Eis a explicação para as muitas merdas ditas e feitas pelas nossas principais autoridades.

Nós também pessoas comuns, estamos ensopados de muitas coisas ruins. Por isso as notícias de ocorrências de brigas e futricas, e, pasme, até de violência em plena ceia natalina e outras que tais, têm sido cada vez mais recorrentes. Leias os noticiários!

Vivemos tempos de muitos sacolejos e de crises. Não há instituição da nossa atual civilização que não esteja sentindo o deslocamento do ‘barro’ das suas edificações.  Só para citar um exemplo, dentro do catolicismo há quem veja o Papa Francisco, um herege. Há   uma luta silenciosa, cega e renhida sendo travada pelo controle da igreja, ainda que, aos olhos dos leigos, tal luta se passe desapercebida.

O barro e as pedras dos alicerces dos engenhos civilizatórios estão todos sendo colocados à prova das intempéries. O que de fato restará?

A polêmica, que envolve o filme “a primeira tentação de Cristo", exibido pelo serviço de streaming Netflix em que Jesus é retratado como homossexual, protagonizado pelo grupo Porta dos Fundos, e que resultou além de pesadas críticas, em um atentado às instalações do prédio da produtora do referido filme, com coquetéis molotov, revela não só o ‘barro’, mas as estranhas faces com as quais contemplamos os nossos dias.

Por que afinal estamos travando esta luta que só expõem o quão estamos fixos em nossas ‘carnes vivas’?

 Que sagrado precisa tanto do nosso sacrifício e até do nosso enlouquecimento, senão o de ordem meramentemente humana?

 Chegamos ao esgotamento do nosso ‘barro civilizatório’?

É precioso ou não um novo reinventar-se?

É este humano, que já não mais se faz do mesmo ‘barro’ que está a necessitar de novos engenhos?

Eis a questão!




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