Uma breve introdução aos mistérios das coisas das águas
Por Gilvaldo Quinzeiro
“No princípio, Deus criou os céus e
a terra.
E a
terra era sem forma e
vazia; e havia trevas
sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas”.
Como
assim? Antes só havia duas faces, a do abismo e das águas? E na face das águas
era onde o “Espírito de Deus” se movia? O que entender pela “face das águas”? O
que entender pelo “Espirito de Deus” se movia? O que vai dar “visibilidade” a
face do abismo?
Que
banho de reflexão isso nos provoca, não? Que assim seja!
O
texto acima é um mergulho nas profundezas das águas; das águas presentes também
em nossa criação. Com ele, o texto, pretendemos fazer uma introdução ao que
ousamos chamar de os mistérios das
coisas das águas. É claro, entendemos o risco de nos afogar! - Mas o que não
consiste em afogamento? Vale apenas correr todos os riscos para, nas águas
agitadas nas quais se formaram todas as coisas, tentarmos ao menos nos pescar!
A
passagem mais filosófica do Novo Testamento não é sobre a multiplicação
dos peixes, mas aquela que nos sugere ser pescador de nós mesmos!
Pois
bem, assim como as faces das águas, nas quais se move o “Espirito de Deus”,
cada coisa não é imediatamente a coisa que se ver. Antes fosse assim. Mas não. É preciso, pois, um tempo de espera
contemplativa, para, não só ver água em si mesma, mas sobretudo o que há para
além dela. É aqui que a coisa se torna assustadora! Temos medo de ir além das
águas! É aqui que se revela a natureza apressada do nosso tempo! É aqui que uma
avalanche de mediocridade se faz presente! Amém?
Ir
além das águas é se dá conta de que nem tudo nela, a água, é aquoso, assim como
espirito que se move em suas correntezas! Só Deus sabe o que eu realmente quis
dizer com isso!
Mas
as águas são as águas! Narciso, o
personagem da mitologia grega, por exemplo, mesmo olhando para as águas, este,
não conseguiu ver a água em si – viu-se apenas! E neste mesmo ato e instante, ele,
Narciso, morreu afogado!
Ora,
nos dias atuais, principalmente, nós também matamos todas as coisas à nossa
volta, toda vez que nos inundamos da nossa própria imagem! E não precisa
recorrer ao mito de Narciso para nos darmos conta de que estamos também todos
mortos por causa disso!
Mas
não é só nós que estamos mortos. Se prestarmos muita atenção a Nietzsche, em “A
Gaia Ciência”, publicado em 1882, “Deus” também.
Lembremos:
quando tudo era “o vazio”, ainda assim
havia a face das águas, nas quais o Espírito de Deus se movia! Ora, que
alquimia abre mão do uso da água? Qual foi a fonte do primeiro milagre
atribuído a Jesus Cristo? Por que nos partos realizados em piscinas a água é, para
o bebê, um ambiente já familiar? O que nos indica que estamos realmente
excitados?
E
quanto a face do abismo? Não tenho nenhuma dúvida que esta é de natureza
narcísica, isto é, não ver nada -, nada, exceto a face que se afoga ou se
precipita no abismo!
E é
nestas condições que surgem o maior de todos os paradoxos do nosso tempo, qual
seja, o que leva muitos realmente acreditarem que são dignos de verem a face de
Deus! Eis Narciso de novo dando visibilidade a face do abismo: o nosso sincero
pedantismo!
As
águas não são mesquinhas, porém, isso não significa dizer que o espirito que
nela se move não exija respeito! As atuais tragédias climáticas como as que
ocorreram no Rio Grande do Sul, no Brasil, e aquelas que estão a ocorrer por
todo o mundo, em sua maioria, são provenientes ao desrespeito as coisas aquosas, e
que estão obrigando muitos a “retornarem
para o inicio da fila”, é prova de que não conseguimos ver a água em si
mesma, mas apenas, como Narciso, a nossa própria face!
É
precioso uma “Recriação”! O Difícil, no entanto, é Saber por quais Mãos, ou
melhor dizendo, por quais Águas, uma vez que, a dos deuses, Nós as Amputamos!
Comentários
Postar um comentário