A indisciplina em sala de aula, uma reflexão sobre a imagem do sujeito estilhaçada pela falta de espelho



Gilvaldo Quinzeiro


1 –Falar de indisciplina em qualquer que seja o espaço, nos obriga antes de tudo a nos remeter e a falar da natureza humana.

2 – Falar da natureza humano é nos “desmascarar”; é nos colocar diante do espelho, cuja imagem refletida, pode não corresponde a imagem que nós acreditávamos ter de nós mesmos, e isso no entanto, é humanamente impactante! . Daí, eu lhes pedir desculpa antecipadamente pelo desconforto que eu possa vir a causar!

3 – Pois bem, a natureza humana é conflituosa, e da ordem do animal e do humano; do inconsciente e do consciente, no qual o primeiro é prevalente, isto é, antes de sermos humanos, e só somos humanos nas condições humanas que nos favoreçam a sê-lo, somos animais.

4 – Portanto, o conflito entre a indisciplina X disciplina, nada mais do que o duelo entre o que é da ordem da natureza e da civilização; do animal X o homem; do inconsciente X o Consciente, e por que não dizer, da criança X o adulto; do filho X o pai; do aluno X o professor.

5 - O espaço humano qualquer seja, onde a indisciplina prepondere sobre a disciplina, é no mínimo um sinal de que a “civilização ali falhou”, e que por isso mesmo se faz necessário um estudo apurado das causas destas falhas, sob pena de que o “bicho” que não foi domado, socializado, disciplinado devore, os que em nome da civilização deveria se impor.

6 – Numa situação na qual a “indisciplina” prepondere sobre a “disciplina”, então os “indisciplinados” passam a ser aqueles que deveriam ser o bastião da disciplina. Ou seja, não há espaço humano que possa abrir mão da disciplina.

7 – O exemplo disto, ao contrário do que se pensa, é o rigor da “disciplina” existente no mundo da criminalidade. Tal disciplina é mantida a peso de ferro e de fogo, tal como , “olho por olho, dente por dente”!

8 – A cidade do Rio de Janeiro, só para cita um exemplo gritante, a população vive sob a “disciplina” ditada pelos traficantes. De modo que, o indisciplinado é o cidadão, que tem pagado com a própria vida, qualquer gesto entendido pelos bandidos como sendo de indisciplina para com eles.

9 – Eu estou vindo agora de uma semana de uma capacitação e formação de professores, e, não tenham duvida de que a indisciplina foi um dos temas mais discutidos.

10 – Fiquei sabendo por exemplo, que numa determinada escola da zona rural, um professor teve que abandonar sua atividade, porque foi intimidado pelos alunos; um segundo professor indicado para substituir o primeiro, pelos mesmos motivos que o anterior, ou seja, a indisciplina dos alunos, desistiu já na segunda aula, uma vez que o alunado lhe intimidou até com a ostentação de armas.


9 – Portanto, falar da indisciplina em sala de aula, é falar do fracasso das instituições sociais, a saber, a família, a escola, do estado, e por fim a própria sociedade. Falar da indisciplina em sala de aula, é falar da crise de valores, e por que não dizer da crise do homem?

10 – Dito isso, afirmamos que a indisciplina é pois, o sinal e a resposta à falta ou a ausência dos significantes. Ou seja, a indisciplina é o sinal ou a resposta à falta de nós mesmos!

11 – Para equacionar esta discussão eu diria que, a indisciplina está para a escola, assim como o corpo está para os adolescentes, ou seja, a escola que não decodificar a mensagem de alerta numa turma indisciplinada, é como adolescente que entra em “parafuso” diante dos sinais da fala do seu corpo.

12 - Em outras palavras, a indisciplina é o outro lado da nossa face, que só revelou porque a que tínhamos para mostrar se eclipsou! De sorte que ou nos vemos nela, para dela extrair lições ou estaremos condenados à cegueira de nos afastar de um dos lados mais obscuros da nossa natureza.

13 – Pois bem, voltando a falar da natureza humana, e mais precisamente do seu “disciplinamento”, caso isso nos seja possível, é somente nas condições em que a “indisciplina” seja encarada por todos, como aquilo que nos afasta do humanamente aceitável. Portanto, disciplinar significa abri mão de uma coisa, que ao outro também não vai fazer falta. Ou seja, algo que seja aceito e respeitado por todos.

14 – Uma mãe que disciplina seu filho a só dizer a verdade, mas quando este vai atender ao telefone, e sua mãe pede pra que este negue a sua presença em casa para não atendê-lo, dificilmente evitará que o mesmo não seja indisciplinado!

15 – Uma escola cujo diretor dá uma ordem para que os alunos só entre fardado, porém, enquanto que o porteiro(a) recebe os alunos indevidamente vestido -, dificilmente terá as normas respeitadas!

16 – O professor que não conseguir parar a sua aula, mesmo aquela que mereceu por parte deste horas e horas de planejamento para ouvir a “dor existencial” de um aluno, dificilmente merecerá atenção de todos!

A imagem estilhaçada

17 – No inicio da nossa fala, nos referimos à imagem e ao espelho, e que a indisciplina é o sinal ou a resposta a uma falta e ausência de significante. Ou seja, a falta de nós mesmos.

18 – Pois bem, a família é o lugar da edificação e estruturação da imagem do sujeito, ou seja, a família é o lugar dos significantes, logo , o pai e a mãe são o espelho!
19 – Lacan nos fala de que a criança percebe a imagem do outro, no caso a mãe, como sendo sua, só depois de algum tempo, ela se desvencilha desta percepção primeira, para então diferenciar o si do para si, ou seja, a sua imagem, da imagem do outro.

20 – Daí importância da presença edificante da mãe. Porém, quando esta se torna ausente ou invasiva, então teremos o caso de um “espelho estilhaçado”, e o resultado disso, é a fragmentação do sujeito que, para se dá conta de si, dos outros e do mundo, há fazer destes seus penicos!

21 – A esta altura, o leitor poderá então está se perguntando, e quanto o papel do pai?

22 – Se o papel da mãe é o que nutre, abriga e erotiza, logo o pai é aquele que introduz na família o principio da realidade, isto é, a disciplina.

23 – Portanto, podemos concluir que a indisciplina na sua gênese está relacionada com a falta do pai, enquanto aquele que introduz a lei, o limite!

A escola e seus espelhos

24 – Pois bem, dito a cerca do papel especular da família na construção do corpo e da imagem do sujeito, bem como das consequencias da falta deste. Passaremos a falar da escola enquanto espaço de espelho.

25 – O aluno cuja imagem foi estilhaçada pela falta de espelho na família, encontrar na escola 3 espaço-espelho. A saber:
a) – o do banheiro - lugar onde o aluno tenta suprimir a falta da mãe; lugar onde se cospe e se vomita o excremento pulsionais, isto é, da ordem dos instintos, inclusive o da pulsão de morte, como nos diria Freud. Todavia, como no banheiro o espelho já está estilhaçado, o aluno ao cuspir ou ao vomitar, o faz de modo que isso caia de volta na sua cara! Portanto, uma válvula de escape inadequada!...

b) o segundo espaço-espelho é o da própria sala de aula - lugar onde, dependendo da historia individual dos alunos, estes também podem estar estilhaçados, e ao ter feito uso do banheiro, retornam da lá pior do que entraram, ou seja, com a própria cara cuspida. De sorte que estes alunos arremessarão seus corpos uns nos outros, para assim tomarem “ciências” de si mesmos. Comportamentos estes, que poderão fazer da sala de aula, um verdadeiro inferno.

c) o terceiro espaço-espelho é o próprio professor - substituto do pai, e que portanto além de espelho será também usado como penico. Ou seja, as tensões pulsionais que não foram devidamente aliviadas no banheiro ou na sala, e sabemos que não foram, então estas inevitavelmente serão descarregadas no professor.

26 – Portanto, o professor que, enquanto criança, não teve seu corpo e sua imagem edificada pela presença das figuras paternais ou de quem o substituíssem enquanto tais, devolverá aos alunos já “escanbichados” pela falta de si, mais do que o cuspe e o vômito nele depositado, mas também os seus excrementos pulsionais.

27 – Por fim, entrar na sala de aula sem antes “está bem consigo” mesmo, e não apenas dominando os conteúdos, é sentar-se molhado de combustível abeira de uma fogueira!

28 – Portanto, se a indisciplina é sinal e resposta a uma falta, então que a escola detecte estas faltas, para que “a falta” não seja única e exclusivamente da escola!

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