A oficina da vida. Os sofreres e os outros tipos de consertos

 

Por Gilvaldo Quinzeiro

 

Não é preciso ser alquimista para compreender que o caldeirão da vida é o resultado da combinação de diferentes misturas. Algo que a vida moderna sob a promessa de nos oferecer um fácil conforto, nos impõe uma permanente cegueira sobre tudo, incluindo a nossa própria face; a mesma face (ou a outra) que acreditamos encontrar num salão de beleza!  O resultado disso, também, está facilmente percebido e na cara: o sofrimento!

O mesmo sofrimento para o qual se oferece uma enxurrada de diferentes misturas (que paradoxo, não é mesmo?), soníferos, calmantes, analgésicos e até mesmo, pasme, anabolizantes: uma arapuca para a qual não há raposa esperta!   O que não se faz para não sofrer? Eis a razão pela qual paradoxalmente mais sofremos?

E assim surgimos do nada, mas de forma cortante: “com quem você pensa que está falando”?

Ora, não se pode chegar a outra conclusão após uma reflexão a respeito de frases como estas, que têm inundados o nosso dia a dia, infelizmente, que não seja a seguinte:  seguimos a forte tendência de ver a realidade sob duas óticas, ambas perigosamente superficiais. A saber, ver tudo como se fosse a extensão de um salão de beleza ou de um supermercado. Como assim? Calma, não franja a testa!

Na primeira tendência de ver tudo a partir da ótica de um ‘salão de beleza’, passamos acreditar que as coisas mais complexas se resolvem adquirindo uma nova aparência. Por isso caímos facilmente na armadilha de que carregamos todos os espelhos. O sofrimento  aqui é suportar os olhares... Que coisa não?

Na segunda tendência de ver tudo a partir da ótica de ‘um supermercado’, acreditamos que as coisas, as oportunidade e até mesmo as pessoas, incluindo as que idealizamos, estão ‘organizadas’ em compartimentos facilitando o nosso acesso e as nossas escolhas. O sofrimento aqui consiste na nossa velha ‘desorganização interior’: abocanhamos ou somos abocanhados?

Que engano, meus caros! Que sofrimento!

 Seria mais sensato vermos a realidade sob a ótica de uma bagunçada oficina. A oficina da vida, para ser mais enfático! Como assim?

Na oficina da vida, todas   as diferenças se estreitam na missão de se fazer os remendos. Um dedo encravado numa ‘pesada de carne’, por exemplo, é aproximação possível de um cambito. A diferença entre um pote e uma rudia se encurta em direção ao caminho, que nos sacia a sede; uma tira de pano e uma ferida podem ser o ‘casamento’ perfeito para o efeito de uma cicatriz; a rosa e o espinho são frutos da mesma beleza!

Ora, meus caros, na oficina da vida, o belo ou o bem, não está necessariamente em lugar algum. Às vezes é preciso um apurado esforço para encontra-los   dentro de nós mesmos! Por isso tenhamos cuidado com o que jogamos fora todos os dias no afã de obter uma ‘limpeza’ a qualquer custo!

Por fim que tenhamos cuidados com a busca dos alívios fáceis. Talvez seja essa busca que tenha nos transformados em ‘belos bonecos de neves’! Para estes, não importa a real diferença entre conserto e concerto: qualquer reparo é sinônimo de apressado afogamento! Será? 


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