A mão. Uma reflexão sobre a mutilação do sujeito


Por Gilvaldo Quinzeiro

 

 

Que realidade ainda está por vir, quando,  a que nos escapa,  nada  fizemos para contemplá-la?  Calma, nem tudo é tão volátil assim. Ainda nos resta a mão que não mudou ao longo desse tempo todo!

 

A mão do homem é a mesma ao longo de milhares e milhares de anos. A mesma mão com a qual se identificava em suas linhas, o passado e o futuro do homem. O que mudou neste tempo todo, no entanto,  é “a coisa” sobre a qual a mão se fecha, e com a qual o homem passa a se identificar.  Aliás, coisa há no mundo pela qual a mão se seca, enquanto o homem se transforma em pantanoso solo – nada nasce senão “a coisa” em que o homem se afunda.  Ora, dizer que a mão do homem permanece a mesma, ao contrário da “coisa” que a mão segura, é chamar atenção para o poder mutilador  da “coisa”, no mesmo instante em que a mão nos escapole. É nesta condição,  portanto, que a mão  toma uma  dimensão outra – aquela em  que  o dedo que estamos  agora a apontar  não é o mesmo em  cuja unha está encravada, mas o “da coisa” que nos parte por inteiro.

 

Este texto, portanto, falará das mais profundas mutilações sofridas pelo sujeito  na sociedade contemporânea. Aliás, nada mais contemporâneo do que a mutilação do sujeito – marca indelével das atuais condições existenciais. Para isso, apoiaremos a nossa fala sobre alguns fatos do dia a dia, bem como numa escuta psicanalítica; escuta esta onde sujeito é total silêncio. Faremos tal feito, sabendo dos riscos da automutilação. Afinal, sobreviver o aleijo, a despeito  do culto de  uma imagem perfeita, é manter-se de pé na condição de revolucionário.

 A propósito, por falar do poder mutilador da  “coisa”,  no que nos transformou o uso do “aparelho celular”, neste tempo em que todos acreditam estar ligados? Do que nos serve a mão, se são com os olhos  que se esgravatam as coisas?

Foi pensando em responder esta e outras questões que iniciei uma investigação junto às pessoas mais próximas a mim, entre estas, os meus próprios alunos. Tal investigação, entretanto, não se trata de algo tão criterioso, como a que se caracteriza uma investigação científica, mas do meu fazer diário no trato com as questões existenciais.

“O celular é minha mão”, respondeu-me de pronto  um aluno quando por mim questionado. Fiquei a principio mutilado com esta resposta. Ora, se a mão para o sujeito, já não é mais  da ordem daquilo com que se  “pesca a coisa”, mas, pela  “coisa” se é pescada, então, falar do sujeito é dizer, da sua condição de peixe fora do ambiente aquoso. Portanto, o dito aqui  não só nos empurra de goela à abaixo uma espinha, como põe  mais “escamas” na discussão.

O que é a mão, naquilo em que “a coisa” lhe abarca? O que é “a coisa” naquilo que o sujeito se oculta? O que é o sujeito com a “mão” que não mais o identifica? A resposta não é outra senão, o rasgo do sujeito. Tudo enfim é a exterioridade, e o nó – amarradio numa bolha de sabão!

 

 

 

 

 

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