“Com quantos paus se faz uma existência”?



Por Gilvaldo Quinzeiro



A sombra. Poucos são os homens que se elevam a condição de árvore. Muitos até chegam a se transforma em folha, mas, a fome lhes faz crescer até o estágio de uma lagarta, e logo, tal condição por si só é devorada. Porém, é a condição de “sombra”  a transformação mais cômoda e frequente, pois, é da ordem daquilo que não se desce às raízes, não se espraia em galhos e muito menos se segura em si mesmo. Dai, ser esta condição, a de sombra,   o mais complexo dos desdobramentos da condição humana.

Mas o que vem ser esta condição de sombra? Como costurar uma explicação para esta condição? Este é, portanto, o  desafio que me proponho a enfrentar ao longo deste texto. É possível, no entanto,  que até o final deste,  eu me consoma por inteiro, e nada do que foi dito no inicio tenha alguma sustentação. Mas prefiro  o rasgo por mim mesmo, a permanecer inteiro, sem mergulhar fundo no meu próprio útero.

Pois bem, por estes dias que se sucedem, eu fui pescado por algumas imagens, sons e pensamentos que me fizeram também de pescador. Tive a oportunidade de analisar alguns sonhos, e com estes me escorregar poço abaixo. Assistir e comentei junto com os meus alunos do ensino médio,  o filme “Método Perigoso”, de David Cronenberg, que me fez  ver, o quanto podemos ser também aquilo que nos escapa. Porém, o que me fisgou profundamente, foi ter ouvido as queixas do meu pai a respeito, “das dores e insônias da sua  velhice, e das suas madrugadas aguando as plantas para secar as suas próprias feridas”. Depois de tudo isso, claro, não conseguir permanecer de pé. E é exatamente retorcido como vara verde que estou a escrever agora. Vejamos  a materialização desta inquietude na minha escrita a seguir.

A rigor, não há como existir sem ao mesmo tempo se desmanchar por ela. Às vezes, ao invés de irrigar a árvore que somos ou que deveríamos ser, molhamos tão somente a sombra - é nas “raízes” desta  onde nos fincamos. A condição de homem é também aquela em que alimenta os seus fantasmas. Aliás, talvez seja a existência dos fantasmas a condição pela qual se é possível explicar a existência humana.

 Isso por si só define o que é a sombra?

O termo “sombra” é muito usado nas religiões de raízes africanas. É comum por lá se dizer: “fulano está com uma sombra ruim”! Bem, não é este o sentido usado por mim, embora, não contesto aquela afirmação. Pelo contrário, é de onde vem também a minha escuta.  Contudo, “a sombra” que eu quero tratar aqui diz respeito a nossa incapacidade de existir na concretude, posto que, ser esta, da ordem aquilo que  nos estilhaça.  Ou seja, ser sombra é uma espécie de “drible” às asperezas do nosso dia a dia. Um drible, diga-se de passagem, em que não se dá continuidade à jogada seguinte, e tudo mesmo não passa um mero lance...

Eu  tenho usado frequentemente o termo “espantalho” para falar desta condição. Esta expressão me  surgiu por acaso em conversa com o pensador e romancista caxiense, J. Cardoso. Em outras palavras, como afirmei em parágrafos anteriores, a existência humana é  da ordem daquilo que se desdobra – ser sombra ou espantalho é melhor do que existir de fato? Ora, se  “o gozo”, no dizer de Freud, se desdobra em outros caminhos que não necessariamente  nos conduzam ao  “gozar” de fato,  e ainda assim estamos a caminhar ao seu rumo – , a existência pode  também se desdobrar na “não existência”. Portanto, ser “sombra”, ao invés de ser “árvore” pode nos parecer mais compensador!

Que coisa, não?
Não. Que sombra!

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