O desejo, a palavra e o ovo frito
Por Gilvaldo Quinzeiro
O desejo é como uma folha flutuando
sobre a correnteza de um rio – a força que a movimenta é também a mesma que a
afoga na descida do desfiladeiro. O desejo também pode ser comparado à cauda de
um cometa, isto é, quando da a sua vastidão é sinal de que está se
desintegrando ao passar próximo ao sol. Ou seja, o desejo não se sustenta por
si, e quando “realizado” o é somente na condição de ter ascendido ao âmbito das
palavras, e, portanto, da sua “não-realização” enquanto um vulcão emergido da
escuridão do corpo.
Se as palavras são escoadouros, ainda
que como substituto do desejo, então estas agem em relação a estes como
frigideiras cujos ovos só são comidos depois de fritos. Os desejos, portanto,
quando ascendidos à condição de palavras, não são mais do que “ovos fritos”,
isto é, do ato de desejar até culminar com sua “realização” ter-se-á percorrido
um longo caminho, e, tal como ovos na frigideira, resultam em perdas
substanciais. Dito de outro modo, “gozar” é se contentar com o pouco que sobrou
da água depois de se ter quebrado o pote.
Há, porém, os mais afoitos que
procuram evitar que seus desejos tenham o mesmo destino que o dos “ovos fritos”
- derrubando e comendo logo! Aí não seria trocar ovos fritos por goro?
Conclui-se que, flutuar como uma folha sobre a correnteza de um rio ou
se fritar sobre uma frigideira, isto é, viver sob a mediação do “principio da
realidade” é o preço a ser pago por não ter que arrotar “ovos goros!”.
Aliás, isso é o que se pode chamar da “síndrome da quarta-feira de cinza”.
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