A primavera. Uma lição sobre os cheiros
Por Gilvaldo Quinzeiro
Enfim, chegou a primavera trazendo se não o cheiro das flores, mas o da terra molhada que nos afunda de volta a infância. Que chuva! Acordei esta manhã me lembrando do cheiro dos quintais cobertos de folhas de mangueira ou de cajueiro!
Quão distante
as cercas que me separam da infância!...Quão frouxas as rédeas do cavalo que me arrasta para as
incertezas das próximas estações...Quão menino ainda me sinto para me embrenhar
por dentro dos meus abismos!
Sou do tempo
em que no mês de maio, por exemplo, se
colocava flores na janela, e que no cair das primeiras chuvas, se andava pelos
caminhos atolando o pé na lama! Tudo era tão verdejante e cheiroso!
Não há tempo perdido. Há sim o tempo em que não se
consegue dar tempo para a chegada da primavera! O tempo é uma escrita nas asas
azuis de uma borboleta, a sua magia, só os alquimistas serão capazes de
pertencer. Sempre que falo destas coisas, logo me vem à imagem de um Leonardo
Da Vinci. Não é que para este toda
estação fosse primavera, mas como negar em quantos engenhos ele se
transformava? Imagino o quanto o cheiro
das flores ou da terra molhada foi decisivo para as cores vivas em suas pinturas!
Cada tempo tem um cheiro. Cada cheiro, um tempo dura. O duro de cada cheiro é quanto
mais mole à coisa, menos o tempo pra esta coisa dura. O cheiro, não tenho
dúvida, antes do homem se identificar como “Homem”, era com seu próprio cheiro
que identificava.
O tempo,
portanto, nos ensina com a bunda no
chão. Mas as lições que só interessa a boca, nos faz
obesos em todas estações do ano.
Bem-vindo o cheiro da primavera!
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