Uma homenagem aos 75 anos do caboclo, meu pai!


Por Gilvaldo Quinzeiro


Apois bem, a diferença que brota entre uma capoeira e uma roca, é que a roça é ainda o porvir, enquanto a capoeira é a sobra do que a terra já deu, e ainda como uma mãe caridosa a seus filhos, continua disposta a dar.

Como diria, o cumpade Abel, que Deus o tenho em bom lugar, a sabedoria do caboco está, em este saber tirar proveito da terra, plantar de mãos cheias a esperança, as poucas sementes que restam, e, em não morrer de jeito algum de uma só vez, pois a vida é uma menina, tem todo o tempo, e pode esperar mais um segundo, todos os santos dias do mês.

Por falar no cumpade Abel, me veio a lembrança ligeira de outro cumpade meu, o Chico Bernaldino!  O home que mais vi contar histórias, enquanto durava a noite inteira, um pacote de fumo! Através da história desse cumpade, eu corri o mundo afora! Passei entre grotas e boqueirões; capoteiro eirado que escondia uma onça; porteiras largas; currais estreitos; lugares mal-assombrados; cemitérios só de meninos e reinos de princesas encantas!

Apois bem, meus senhores, eu conheço a vida, como os cinco dedos, desta mão carcomida, e que deu de comer a meninos e porcos; cachorros e gatos, cabras e bois; cavalos e jumentos   – tudo isso sem mexer no alheio!

Sou do tempo em que as pessoas se sentavam num tamborete na porta ou no meio do terreiro; do café adocicado com prosa; do rádio de pilha sobre a mesa; da cantiga de roda em noite de luar; da lamparina acesa em pavio curto; enquanto os meninos se divertiam em um canto da sala; uns dando gargalhadas da bufa saindo atrevida; outros chorando de medo da tentação das próprias sombras movendo-se na parede.

Vi invernadas e secas. Trovoadas e tempestades. Poeiras e serenos. Estradas e veredas.  Peixes e caças. Cobras e lagartos. Heróis e bandoleiros. Crentes e ateus.

Vi meninos se entupirem com caroço de pitomba; azeite de mamona servir de todo tipo de remédio; palha de milho servir de boneca; caboco se sentir mais do que feliz, tendo em sua casa como mobília, 1 pote, três pedras servindo de trempe, 1 tronco velho de aroeira servindo de assento e uma mulher quebradeira de coco, com um bruguelo a amamentar em fartos seios e outro já bem encomendado na barriga a crescer!

Entonse e por fim, meus senhores, desconfiem do tempo onde as portas da casa não são fechadas por imbiras, pois, aos ois do bom entendor, quanto mais de ferro se fere; quanto mais de ferro se arma; quanto mais de ferro se faz a porta; quanto mais a porta de ferro se fecha, mais se escancara o siná de que os homens desse tempo perderam a vergonha e a morá!

Feliz aniversário, senhor Manoel Pereira Soares!







Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A roda grande passando pela pequena

Os xukurú, e a roda grande por dentro da pequena...

Medicina cabocla