Pensar as feridas para se evitar o afogamento no próprio sangue: uma reflexão sobre as faces do progresso
Por Gilvaldo Quinzeiro
"Nós passamos fome. Não temos energia, fazemos
tudo no escuro e usamos só lamparina",
esta é a justificativa de Rafaela Correia, mãe de um bebê de apenas 40 dias de nascido,
que morreu de fome, segundo laudo médico,
no estado do Espírito Santo, esta semana.
Ora, se formos
partir desta justificativa, e pensar que a humanidade nem sempre teve ao
seu dispor, nem o fogo, então, assim
sendo, o planeta Terra, hoje estaria desabitado.
Esta justificativa, entretanto, não nos impede de fazermos
uma reflexão crítica sobre “o
progresso”, esta entidade que não a conhecemos bem, e ainda assim, em sua defesa
se fazem os mais eloquentes discursos. O
que é o progresso? Quais seus caminhos? Com que “vara” se mede o progresso?
A rigor, o progresso é literalmente “colocar o carro na
frente dos bois”. Ora, afirmar isso numa época em que, somente os bois puxavam os carros, era no mínimo assustar os
donos da boiada. Mas, enfim, os caminhos que nos levam ao progresso são tortos,
e não há como se evitar que em seu nome, o próprio homem também se “acangalhe”.
Não será por isso
mesmo que a “velha cangalha”, é o símbolo
mais apropriado para a ambiguidade do progresso?
A questão das
drogas, e, mais especificamente das condições em que vivem os seus milhares de
usuários nas grandes e médias cidades
é talvez, o exemplo mais ilustrativo, do
quão o progresso é cego para as faces cujos olhos lhes foram arrancados.
Erguer sólidos e
modernos monumentos às custas de uma
soma vultosa para “receber bem” os visitantes estrangeiros em época de Copa do
Mundo, não é o mesmo que assegurar que o
cidadão comum se sinta protegido em sua
própria casa!
Aqui está, a face contraditória do progresso. Por um
lado, a face que arregala os olhos para o mundo civilizado; por outro, a face que se cega para os que não
conseguem evitar que às suas vísceras estejam
expostas.
Mas voltando a falar da justificativa da mãe para a morte
do seu bebê de apenas 40 dias -, que progresso
este que suga a energia, não a oriunda da eletricidade, mas as dos nossos
próprios corpos e mentes que, na ausência daquela – nem pela vida de um bebê se consegue lutar ? Esta
face tem nome?
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