O corpo, a pintura e a assombração: quem criou quem?
Por Gilvaldo Quinzeiro
Nos “brocotós” deste sertão, todo menino faz “pintura”, e toda pintura é
sinônimo de assombração. E toda sombra é vista como uma pintura, logo, como
aquilo com o qual alguém, sobretudo, a criança possa vir se assombrar. “Que pintura é esta menino”? “Menino, não faça
arte? Tu ta feito o diacho”?
O dito acima é uma introdução a um ensaio a respeito
do “ corpo, da pintura e da assombração”
e, mais especificamente, daquilo que denominaremos de, “a sombra perseguidora”. Ou seja, vamos falar
de algo que nos remete não só ao nosso passado mais remoto, como também
a“nossa caverna interior”, isto é, aquilo que de mais assombroso nos escapa!
Ao longo deste ensaio, portanto, deste esforço
tentador, vamos defender a hipótese de que a arte nos primórdios dos tempos era sinônimo
de “assombração” – uma sombra apenas,
principalmente no tocante a pintura. Por outro lado, vamos procurar identificar
nos dias de hoje a presença remanescente desta “arte espantosa”. Para isso, nós não só tomaremos como base as expressões como as que aqui já foram citadas acima, as quais, como foram aludidas, são originárias do sertão
, da nossa zona rural, melhor dizendo, como também a arte urbana.
Pois bem, antropologicamente falando, o homem foi e
continua sendo, um habitante das cavernas. E as grandes cidades, sobretudo, têm
se transformado num lugar assombroso, onde muitas pessoas, de fato, não passam
de “sombras”. Ora, que á arte das
cavernas, senão aquela que o caçador se finge de caça ou vice-versa? Podemos
identificar as pichações existentes nas grandes cidades, como a
reminiscência da arte das cavernas? A
minha resposta é afirmativo!
Mas, voltando à questão da pintura como “a sombra
perseguidora. Pois bem, no sertão, à
noite principalmente, os pais recomendavam aos filhos para que não olhassem a própria sombra, pois, tal visão poderia lhe perturbar o sono. Ora, quem, quando criança nunca
brincou com a própria sombra, como também quem nunca se assombrou com ela? Ver-se na
condição de algo “desfigurado” é, sem
dúvida nenhuma, muito assustador!
Talvez, esta seja uma das causas para aquilo que os psicanalistas chamam de “pulsão
de morte”? Uma resposta agora não podemos arriscar, porém, negar que isso, nos
seduz a dá uma
responda , é impossível!
Uma coisa acompanha o homem por mais solitário que
este esteja: a sua própria sombra! Mas, dependendo de cada caso, esta sombra
pode se tornar persecutória ou o despertar para arte.
Ora, falar da pintura como “a arte perseguidora”, ainda que, o dito aqui, tenha sido incipientemente, nos remete ao corpo. O corpo
é a “nossa caverna”. Dizer, no entanto, que o corpo é a “nossa caverna” , é falar ao
mesmo tempo que, este é um lugar de “pintura”, ou seja, de arte e de assombração! Tatuar o corpo, por exemplo, não é só arte, como também, o jeito de nos “protegermos” dos seus fantasmas. Dito com outras palavras, tatuar o corpo, é a forma também de habitá-lo com tudo que há nele que nos
assombra.
Na altura desta discussão, o leitor pode estar se
perguntando, e quanto ao pintor, o que
é? – O pintor é o caçador de si. E o ato de pintar, a flecha arremessada. A
questão é: quem acerta quem? Em outras
palavras, tudo isso, no final, vai resultar em “sangue” – elemento, este, presente na pintura primitiva.
Portanto, o corpo está para a caverna, assim como a
pintura, está para a nossa assombração. Ou seja, eis a “trempe” da arte primitiva! A arte que
nos invoca o sacrifício!...
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