O ovo da nossa reflexão
Por Gilvaldo Quinzeiro
Se é para confortar os homens diante da dura realidade, que
lhe esfola dia e noite, noite e dia; mesmo que isso não resulte na prática em
alívio algum, então aqui vai o seguinte dizer: “de tudo que chegamos a ser,
ainda assim, não passamos da condição de ovo humano”.
O que nos torna diferente dos pintos, é que estes quando
fora do ovo, não têm condições de retorno; já o homem, ao primeiro contato com
a realidade, se coloca não condição de retorno ao útero.
Freud ao abortar esta questão, escreveu o seguinte:
“A nossa
relação com o mundo, ao qual viemos tão a contragosto, parece incluir também a
nossa impossibilidade de o tolerar ininterruptamente. Assim, de tempos em tempos
nos retiramos para o estado de pré-mundo, para a existência dentro do útero”.
Um pouco mais a frente, Freud conclui: “parece que o mundo não possui completamente sequer
mesmo aqueles entre nós que são adultos, mas apenas até os dois terços; um
terço de nós ainda é como se não fora nascido. ”
Tal afirmação, ainda que espantosa, é a nossa referência
para as nossas premissas iniciais. Ou seja, a de que em certo sentido, vivemos
sob a condição de ‘ovo humano’.
O sonho é um ‘grito gigantesco’ diante da realidade que nos
silencia e esmaga – interpretá-lo é romper a casca do ovo e trazer o pinto ao
mundo. É este o papel dos oráculos em qualquer época da história humana, e na contemporaneidade,
o papel do analista.
Neste sentido, a figura de Freud nos surge como aquelas
pinturas rupestres encravadas nas cavernas, ou seja, algo a merecer a nossa
reflexão e estudo. Freud, foi sem dúvida, um oráculo do seu tempo. E mais do
que isso, uma figura a assustar quem a ele subestima.
Pois bem, a ‘porosidade’ da realidade engoli a tudo e a
todos. O estado depressivo de muitos sujeitos é sinal de que, a vida lhe foi
sugada nos primeiros embates. E como frutas murchas, se sentem alimentados pelo
desejo da morte. Para estes, tais como para os pintos, já não têm ‘útero e
retorno’: tudo é o pisotear da pata do
mundo!
Portanto, nestas condições, se colocar no mundo de pé, como
árvore, nunca foi fácil. É aqui onde as ‘varas’ se envergam e os amarradios dos
nós se afrouxam. O homem nas suas fraquezas, busca refúgio a todo custo. É
aqui, por exemplo, onde as drogas surgem como moscas diante da sopa. Ou seja,
o afogar-se sem fim!
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