UMA REFLEXÃO SOBRE O CORPO E SEUS LUGARES
Gilvaldo Quinzeiro
O homem antes de ser social, o é biológico. Assim sendo, o corpo está para o homem, como a água está para o mar – a água existirá sem ser o mar, este, contudo, não existirá sem água. Do mesmo modo, o homem enquanto “ser social”, forjado e condicionado pela sociedade não existiria sem o corpo, já existência deste independe do homem bem como da própria sociedade. O “homem” é pois, apenas um conceito limitado e ampliado pelas diferentes sociedades em períodos históricos determinado. Já o corpo é uma realidade primária, fruto do longo desenvolvimento evolutivo da vida no planeta. Abrigando em si todo o processo químico e biológico inerente a natureza evolutiva da vida. Processo este que as sociedades por razões diversas, tem ignorado e evitado conhecer.
O homem ao tentar sobreviver, recorre aos seus mecanismos de defesas acumulados ao longo de toda a sua evolução reagindo tenazmente a quaisquer ameaças. Mecanismos estes que nos tornam similar aos outros animais, e com os quais e dos quais aprendemos muito. Daí vem a nossa admiração pela força e natureza de certos animais imortalizados nas pinturas rupestres ou em outros rituais.
Algumas das nossas maiores dificuldades nos nossos dias de hoje são reflexos da indefinição de posição ou atitude a ser tomada por uma “mente tida como racional” e os mecanismos de defesa do corpo. Na falta de uma decisão do primeiro (do raciocínio, atributo do homem), o corpo reage e assume o comando. E dependendo das condições para as quais foram desencadeadas as defesas, tais mecanismos de defesa poderão permanecer para sempre sem que se consiga desativa-lo, não obstante superadas as condições emergenciais.
Neste sentido queremos chamar atenção para a importância das reações ou respostas do corpo, como sendo heranças do nosso passado evolutivo que, podendo ter dado certo num passado remoto – pode constituir-se na complexidade do presente numa reação negativa, conquanto, seja uma resposta no sentido de garantir a nossa sobrevivência.
O corpo é antropologicamente a causa de todos os “apocalípticos” presentes na cultura ocidental assim também como o fomento de toda a idéia de paraíso. Em outras palavras, significa dizer que o sagrado ou o profano antes de se tornar conceituais o foi no território do corpo uma mera reação ao estímulo externo. O “sagrado” ou o “profano” são construções das sociedades ao longo do tempo, conseqüentemente também podem sofrer modificações quanto o seu significado. Assim sendo podemos afirmar que tanto o “céu”, quanto o “inferno” se existirem, contudo, a idéia que temos de ambos é fruto do que primeiro sentimos no corpo. Os fenômenos ditos de possessão podem ser explicados com base nas experiências corporais e sua relação com a psique ou desta com aquele.
Daí a importância do corpo como objeto de estudo numa perspectivas antropológica para a compreensão de alguns aspectos da nossa cultura.
Desde meu tempo de menino, nascido na roça que sou ouvinte assíduo de causo contado por pessoas do povo. Sempre as ouvir com muita atenção. Talvez por causa disso sempre gostei de gente. Na minha juventude, desta feita na cidade, costumava passar manhãs inteiras só ouvindo e vendo gente na praça. Aprendi muito com todas as pessoas com quem estive . Tudo que aprendi na vida devo um pouco a cada uma destas pessoas anônimas, outras nem tanto.
Sempre fui um grande observador. Cada gesto, cada expressão, cada sorriso, cada tom de voz. Tudo eu fazia questão de observar. Uma destas pessoas, que mais me chamou atenção pela sua expressão facial, foi de uma ex-aluna, cujo nome devo ocultar. Observei que toda vez que esta aluna se irritava (e era quase sempre), seu rosto se desfigurava completamente. Tal expressão era de um “monstro”!
Intrigado com o caso, um dia, enquanto esta se sentou ao meu lado, aproveitei para lhe fazer algumas perguntas sobre sua vida. Entre suas respostas a que mais me chamou atenção foi sobre a de um sonho. Ela sonhava constantemente com um monstro tentando lhe pegar. Perguntada sobre se tinha visto a “face” do monstro, e com quem ela associava este rosto, a resposta foi que era a face do seu irmão.
Continuando com a conversa, fiquei sabendo que a mesma odiava seu irmão, uma vez que este lhe tinha ciúme e lhe perseguia, chegando às vezes até batê-la. Este é um dos inúmeros casos, que tive a oportunidade de conhecer. Todos a respeito de alunos cuja expressão facial me chamou atenção.
Este caso portanto, ilustra bem a possibilidade do corpo tomar tantas formas quanto possíveis. Algo semelhante ocorre nos casos das religiões afro-brasileiras, onde os “cavalos” (os médiuns) recebem os seus guias. Em outras palavras, o corpo passa ter uma dimensão muito diferente daquela que costumamos conceber. E mais do que isso, o corpo assume a forma que o seu suposto guia tem, num verdadeiro desafio a leis da física, como se este fora a água adquirindo a forma dos espaços que ocupa.
Numa manhã enquanto caminhava de casa para o trabalho, encontrei uma senhora cuja postura me chamou muito atenção. Ela caminhava de tal maneira, como se o corpo fosse para um lado, e ela para o outro. Imaginei que “ela” e o “corpo” fossem duas coisas diferentes. E seguir em frente pensando: uma pessoa com tal postura não poderia ser uma vítima em potencial para os maníacos sexuais, uma vez que ela deixa seu corpo abandonado? As vítimas de perseguição sexual não têm esta mesma postura? Tal postura é conseqüência do “conflito” entre o “ego” e o “corpo”? Ou tudo não passa de uma descompostura em face de algum problema físico?
Costumo falar em tom de brincadeira para os meus alunos que eles de “tanto assistirem desenhos animados, acabam se “parecendo” com eles”. Brincadeiras à parte, mas eu levo isso a sério ou seja, relação corpo-ambiente é tão íntima que, o caçador que não se assemelha a sua caça, não é por assim dizer, um caçador. Isso vem desde os primórdios dos tempos, onde “comer a caça” era literalmente assumir os seus atributos. Da mesma maneira que as tribos canibalescas se sentiam “encarnar” a alma dos seus guerreiros inimigos aos lhes devorarem seu coração ou a seu cérebro.
Em uma das minhas constantes viagens para zona rural, conheci um homem que afirmava ter feito um “pacto com o caipora”. Ouvi-o atentamente durante horas. Impressionou-me muito o seu grau de contentamento e felicidade por ter alcançado tal proeza. Seu corpo magro e mal cheiroso o identificava como sendo um homem rude e mateiro, mas, sobretudo, a espreita da caça ou de qualquer outra eventualidade. Era capaz de adentrar o mato sozinho e no escuro; utilizando-se apenas de um facão e a proteção de seus cães de caça. Localizava e identificava sua presa seguindo suas pegadas. Afinal, era um aliado do caipora.
Este caso me fez pensar no quanto podemos ser diferente. Isto é, enquanto, uns só se contentam ao trocar de carro todos os anos; outros se dão por satisfeitos ao trazer às duras penas o alimento para dentro de casa. Enquanto uns ambicionam conquistar o mundo; outros apenas contemplam a sua aldeia.
Sem dúvida nenhuma, um dos mais antigo mito relacionado ao corpo é o da sua camuflagem. Certamente desde os mais remotos tempo, o homem ao observar como certos animais a partir da própria natureza ou de processos químicos existentes no corpo – conseguia assim se despistar da vista de seus predadores – isso fez nutrir no homem o desejo de também se utilizar desses mesmos recursos.
É comum observarmos entre as crianças as chamadas brincadeiras de “esconde-esconde”, quando estas realizam esta fantasia de se fazer “desaparecer” do olhar das outras crianças. Na adolescência esta fantasia persiste. Na tentativa de tentar superar uma situação que lhe é constrangedora, seja em frente aos pais, seja em frente aos professores, muito adolescente recorre a um gesto “mágico” se esconder por trás de um boné ou até mesmo através da mudança da aparência, como uso de tatuagem; pintura no cabelo ou de um novo penteado.
Portanto, o corpo é sem dúvida o nosso maior “achado antropológico” de todos os tempos -, a caverna viva pintada de embrionárias emoções a espera de descoberta!
O homem antes de ser social, o é biológico. Assim sendo, o corpo está para o homem, como a água está para o mar – a água existirá sem ser o mar, este, contudo, não existirá sem água. Do mesmo modo, o homem enquanto “ser social”, forjado e condicionado pela sociedade não existiria sem o corpo, já existência deste independe do homem bem como da própria sociedade. O “homem” é pois, apenas um conceito limitado e ampliado pelas diferentes sociedades em períodos históricos determinado. Já o corpo é uma realidade primária, fruto do longo desenvolvimento evolutivo da vida no planeta. Abrigando em si todo o processo químico e biológico inerente a natureza evolutiva da vida. Processo este que as sociedades por razões diversas, tem ignorado e evitado conhecer.
O homem ao tentar sobreviver, recorre aos seus mecanismos de defesas acumulados ao longo de toda a sua evolução reagindo tenazmente a quaisquer ameaças. Mecanismos estes que nos tornam similar aos outros animais, e com os quais e dos quais aprendemos muito. Daí vem a nossa admiração pela força e natureza de certos animais imortalizados nas pinturas rupestres ou em outros rituais.
Algumas das nossas maiores dificuldades nos nossos dias de hoje são reflexos da indefinição de posição ou atitude a ser tomada por uma “mente tida como racional” e os mecanismos de defesa do corpo. Na falta de uma decisão do primeiro (do raciocínio, atributo do homem), o corpo reage e assume o comando. E dependendo das condições para as quais foram desencadeadas as defesas, tais mecanismos de defesa poderão permanecer para sempre sem que se consiga desativa-lo, não obstante superadas as condições emergenciais.
Neste sentido queremos chamar atenção para a importância das reações ou respostas do corpo, como sendo heranças do nosso passado evolutivo que, podendo ter dado certo num passado remoto – pode constituir-se na complexidade do presente numa reação negativa, conquanto, seja uma resposta no sentido de garantir a nossa sobrevivência.
O corpo é antropologicamente a causa de todos os “apocalípticos” presentes na cultura ocidental assim também como o fomento de toda a idéia de paraíso. Em outras palavras, significa dizer que o sagrado ou o profano antes de se tornar conceituais o foi no território do corpo uma mera reação ao estímulo externo. O “sagrado” ou o “profano” são construções das sociedades ao longo do tempo, conseqüentemente também podem sofrer modificações quanto o seu significado. Assim sendo podemos afirmar que tanto o “céu”, quanto o “inferno” se existirem, contudo, a idéia que temos de ambos é fruto do que primeiro sentimos no corpo. Os fenômenos ditos de possessão podem ser explicados com base nas experiências corporais e sua relação com a psique ou desta com aquele.
Daí a importância do corpo como objeto de estudo numa perspectivas antropológica para a compreensão de alguns aspectos da nossa cultura.
OS LUGARES OUTROS DO CORPO
Desde meu tempo de menino, nascido na roça que sou ouvinte assíduo de causo contado por pessoas do povo. Sempre as ouvir com muita atenção. Talvez por causa disso sempre gostei de gente. Na minha juventude, desta feita na cidade, costumava passar manhãs inteiras só ouvindo e vendo gente na praça. Aprendi muito com todas as pessoas com quem estive . Tudo que aprendi na vida devo um pouco a cada uma destas pessoas anônimas, outras nem tanto.
Sempre fui um grande observador. Cada gesto, cada expressão, cada sorriso, cada tom de voz. Tudo eu fazia questão de observar. Uma destas pessoas, que mais me chamou atenção pela sua expressão facial, foi de uma ex-aluna, cujo nome devo ocultar. Observei que toda vez que esta aluna se irritava (e era quase sempre), seu rosto se desfigurava completamente. Tal expressão era de um “monstro”!
Intrigado com o caso, um dia, enquanto esta se sentou ao meu lado, aproveitei para lhe fazer algumas perguntas sobre sua vida. Entre suas respostas a que mais me chamou atenção foi sobre a de um sonho. Ela sonhava constantemente com um monstro tentando lhe pegar. Perguntada sobre se tinha visto a “face” do monstro, e com quem ela associava este rosto, a resposta foi que era a face do seu irmão.
Continuando com a conversa, fiquei sabendo que a mesma odiava seu irmão, uma vez que este lhe tinha ciúme e lhe perseguia, chegando às vezes até batê-la. Este é um dos inúmeros casos, que tive a oportunidade de conhecer. Todos a respeito de alunos cuja expressão facial me chamou atenção.
Este caso portanto, ilustra bem a possibilidade do corpo tomar tantas formas quanto possíveis. Algo semelhante ocorre nos casos das religiões afro-brasileiras, onde os “cavalos” (os médiuns) recebem os seus guias. Em outras palavras, o corpo passa ter uma dimensão muito diferente daquela que costumamos conceber. E mais do que isso, o corpo assume a forma que o seu suposto guia tem, num verdadeiro desafio a leis da física, como se este fora a água adquirindo a forma dos espaços que ocupa.
Numa manhã enquanto caminhava de casa para o trabalho, encontrei uma senhora cuja postura me chamou muito atenção. Ela caminhava de tal maneira, como se o corpo fosse para um lado, e ela para o outro. Imaginei que “ela” e o “corpo” fossem duas coisas diferentes. E seguir em frente pensando: uma pessoa com tal postura não poderia ser uma vítima em potencial para os maníacos sexuais, uma vez que ela deixa seu corpo abandonado? As vítimas de perseguição sexual não têm esta mesma postura? Tal postura é conseqüência do “conflito” entre o “ego” e o “corpo”? Ou tudo não passa de uma descompostura em face de algum problema físico?
Costumo falar em tom de brincadeira para os meus alunos que eles de “tanto assistirem desenhos animados, acabam se “parecendo” com eles”. Brincadeiras à parte, mas eu levo isso a sério ou seja, relação corpo-ambiente é tão íntima que, o caçador que não se assemelha a sua caça, não é por assim dizer, um caçador. Isso vem desde os primórdios dos tempos, onde “comer a caça” era literalmente assumir os seus atributos. Da mesma maneira que as tribos canibalescas se sentiam “encarnar” a alma dos seus guerreiros inimigos aos lhes devorarem seu coração ou a seu cérebro.
Em uma das minhas constantes viagens para zona rural, conheci um homem que afirmava ter feito um “pacto com o caipora”. Ouvi-o atentamente durante horas. Impressionou-me muito o seu grau de contentamento e felicidade por ter alcançado tal proeza. Seu corpo magro e mal cheiroso o identificava como sendo um homem rude e mateiro, mas, sobretudo, a espreita da caça ou de qualquer outra eventualidade. Era capaz de adentrar o mato sozinho e no escuro; utilizando-se apenas de um facão e a proteção de seus cães de caça. Localizava e identificava sua presa seguindo suas pegadas. Afinal, era um aliado do caipora.
Este caso me fez pensar no quanto podemos ser diferente. Isto é, enquanto, uns só se contentam ao trocar de carro todos os anos; outros se dão por satisfeitos ao trazer às duras penas o alimento para dentro de casa. Enquanto uns ambicionam conquistar o mundo; outros apenas contemplam a sua aldeia.
O MITO DA CAMUFLAGEM
Sem dúvida nenhuma, um dos mais antigo mito relacionado ao corpo é o da sua camuflagem. Certamente desde os mais remotos tempo, o homem ao observar como certos animais a partir da própria natureza ou de processos químicos existentes no corpo – conseguia assim se despistar da vista de seus predadores – isso fez nutrir no homem o desejo de também se utilizar desses mesmos recursos.
É comum observarmos entre as crianças as chamadas brincadeiras de “esconde-esconde”, quando estas realizam esta fantasia de se fazer “desaparecer” do olhar das outras crianças. Na adolescência esta fantasia persiste. Na tentativa de tentar superar uma situação que lhe é constrangedora, seja em frente aos pais, seja em frente aos professores, muito adolescente recorre a um gesto “mágico” se esconder por trás de um boné ou até mesmo através da mudança da aparência, como uso de tatuagem; pintura no cabelo ou de um novo penteado.
Portanto, o corpo é sem dúvida o nosso maior “achado antropológico” de todos os tempos -, a caverna viva pintada de embrionárias emoções a espera de descoberta!
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