UMA TOPOGRAFIA FAMILIAR, O INFERNO É BEM AQUI

Gilvaldo Quinzeiro


A família enquanto “edifício” que abriga e sustenta o sujeito é constituída de três lugares distintos e estruturantes. A saber, o “lugar berço”; o “lugar penico” e o “lugar espelho”.

A família enquanto “lugar berço” é o que acolhe, nutre e protege o sujeito no seu estado de larva (criança); já quanto o “lugar penico” a família é onde se vomita, se urina, se defeca e se ataca cruelmente o Outro, especialmente os pais – fase na qual a larva começa a “beliscar o casulo” para dele se desvencilhar. O “lugar espelho” é a fase na qual o usuário do penico, a criança, se depara com a presença dos pais reagindo aos seus “ataques”, podendo esta ter seus “excrementos” de volta (quando os pais se desestruturam e contra-transferem) ou escoado (quando os pais permanecem firmes ainda que atacados).

Ser “berço”, “penico” ou “espelho” exige dos pais a capacidade de serem de fato “estruturas estruturantes”, tal como os pilares de uma edificação. Em outras palavras, os pais se quando “usados como penico” não suportarem em si o vomito, as fezes e as urinas bem como os ataques da criança, não podem, por conseguinte ascender à condição de “espelho” para esta. Se quando usado como “berço” os pais não responderem na quantidade e, sobretudo na qualidade com qual a criança lhe exige, certamente estes não serão “bons penicos” devolvendo a criança os seus excrementos. A devolução dos excrementos pela “falta de estruturas’ dos pais, fará do berço um lugar outro (sujo) – protótipo do inferno”.



o que é o inferno?


O “inferno” é nosso retorno ao “lugar berço”, cheio dos nossos excrementos. Excrementos estes não “escoados”, mas a nós devolvidos pelos pais. O “inferno” é, pois, o nosso começo sem ego ou do ego em formação, onde o infanto em pedaços se torna presa e “alimento dos abutres” cujas vozes ainda se faz ouvir na vida adulta.

A criança criada neste “lugar berço” ora transformado em “inferno”, conforme se explicou acima, tende a ser “um estranho no ninho” alimentando em si seus próprios demônios. Assim sendo, o “inferno” é o “bem aqui” dentro de nós.. Em outras palavras, o “inferno” é o lugar movido pelas mesmas forças (pulsionais) que, quando criança nos fez usar os pais como penicos. De sorte que, o vômito, a urina e os ataques constituem na projeção especular – na moldura na qual se deve postar o espelho – o vir-a-ser do sujeito enquanto auto-imagem.

o apagamento do sujeito


O que o sujeito teme que lhe aconteça no encontro com o Outro é que este resulte ou aprofunde o “afrouxamento” dos seus esfíncteres isto é, se comporte tal como criança que fazia dos pais o seu “penico”. Dito de uma outra forma, para evitar uma “grande cagada” diante do Outro, o sujeito simplesmente se apaga.

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